26 setembro, 2006

Da ordem social

Atualmente há um certo conflito no que diz respeito à concepção assertiva de saúde e doença. Esse fato se torna visível quando observamos os programas eleitorais, supostamente gratuitos, veiculados pela tv, e ouvimos um discurso desconexo, que se torna comprometedor, por partir daqueles elegíveis, que tentam nos assegurar um direito já garantido e cuja obrigação primária é do estado: o direito à saúde.

De acordo com o movimento da Reforma Sanitária, onde seus principais preceitos foram legitimados pela Constituição Federal de 1988[1], o cuidado à saúde no Brasil, que antes tinha caráter essencialmente assistencialista, centrado num segundo nível de atenção, ou seja, o foco era a cura, o tratamento, a medicalização, hoje segue um modelo que busca garantir à população uma atenção integral, com foco na atenção básica, que significa a prevenção em seu significado mais fiel, a promoção, a proteção à saúde, a antecipação ao risco ou a minimização do mesmo. Evitar ao invés de tratar e ao tratar que seja nos seus estágios iniciais. Criar condições em que a saúde seja a regra, que a doença seja mantida à distância e que não possua meios de se aproximar.

Ainda de acordo com a idéia vigente de atenção à saúde neste país, é válido enfatizar que saúde não é meramente o oposto de doença. Essa é uma concepção clínica, extremamente simplista. A saúde necessita de considerações sociais, culturais, históricas, econômicas, políticas. A saúde é o conjunto e, ao mesmo tempo, o resultado da intersetorialização daquilo que constitui a base da instrumentalização para cidadania. A saúde é o resultado do trabalho, da alimentação, do lazer, da educação. A saúde é a satisfação pela vida. São água e esgoto tratados. É o transporte coletivo de qualidade. Saúde é segurança e autonomia. A saúde é a garantia de que é possível mantê-la saudável. É moradia decente, é respeito (aquele respeito ético, do seu espaço e do espaço do outro). Saúde é tudo contrário ao que se quer garantir com construção de hospitais e distribuição de medicamentos. Mas veja, não sou contra a criação e disponibilidade de recursos que resgatam a saúde, repito: RESGATAM a saúde.

Então, uma pergunta: por que nossos candidatos nos propõem garantir saúde através do assistencialismo, se além de não garanti-la é uma medida quase anticonstitucional? Quem precisa do hospital e do medicamento já não tem mais saúde. Nos habituamos a perceber no assistencialismo a forma de resolver problemas. Sempre foi assim. Nada se resolve e quando há uma situação insustentável, apaga-se um pouco o incêndio.

No Brasil, pessoas morrem de esquistossomose, de dengue, de tuberculose. Temos milhões de jovens deformados, seqüelados pela hanseníase (a velha lepra bíblica, quase sagrada). Há crianças que morrem por ascaridíase, que morrem de fome. Como resolvemos? Drogas específicas e onerosas, dispersão de veneno no ambiente para matar mosquitos e caramujos; reabilitação e cirurgias para resolver seqüelas; vermífugos; bolsa família. Apagamos um pouco o incêndio, deixando a possibilidade de reacendê-lo, caso seja conveniente.

No Brasil, nos induzem a acreditar que tais medidas estão corretas. Nos habituamos a receber esmolas e a agradecermos por elas. É conveniente que seja assim, mas é preciso estar ciente de que a saúde no Brasil, parafraseando a Cecília[2], só é possível reinventada.

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[1] Constituição da República Federativa do Brasil, Título VIII: da ordem social; no capítulo II: da seguridade social; na seção II: da saúde; dos artigos 196 ao 200.

[2]Cecília Meirelles, Reinvenção in Flor de Poemas

20 setembro, 2006

Propósito

Este espaço não busca cientificidade, nem poderia. Não há pretensões, nem créditos, nem verdades ou mentiras (sabe-se lá a verdade de cada um?). O espaço basta-se, pretende-se uma pedra no sapato, nem que seja no meu.