09 janeiro, 2009

Crônica de Ano Novo

“Aí pessoal, que coisa mais doida,... No ano que está chegando, vamos trabalhar somente 7 meses, dos quais temos que tirar 5 meses para pagar impostos!!! A conclusão é que teremos que sobreviver com 2 meses de salário... Estamos ferrados...!!!!!!!!! O PIB do país vai ser uma míngua!!! Apertem os cintos...”

Recebi esta mensagem de feliz ano novo e achei muito adequada a organização do tempo de trabalho, relacionando ganhos e ônus, mas vale pensar que, neste mesmo ano, teremos os seguintes dias, digamos, meio ociosos:

- 1/1/09 (quinta-feira) - Confraternização Universal
- 24/2/09 (terça-feira) - Carnaval (acrescente-se a sexta pré, a segunda de carnaval e a quarta-feira de cinzas, feriado em quase todo país)
- 10/4/09 (sexta-feira) - Paixão de Cristo
- 21/4/09 (terça-feira) - Tiradentes
- 1/5/09 (sexta-feira) - Dia do Trabalho
- 11/6/09 (quinta-feira) - Corpus Christi
- 7/9/09 (segunda-feira) - Independência do Brasil
- 12/10/09 (segunda-feira) - Nossa Sra Aparecida - Padroeira do Brasil
- 2/11/09 (segunda-feira) - Finados
- 15/11/09 (domingo) - Proclamação da República (não vale)
- 25/12/09 (sexta-feira) - Natal
além disso, somemos 52 fins de semana, quem contam 104 dias.

Vamos fazer um somatório geral: 104 sábados e domingos + 12 feriados + 3 imprensados + 2 dias da sexta pré-carnaval e quarta-feira de cinzas + uns 5 dias de feriados municipais e regionais como São João e Dia da Consciência Negra = 126 dias de descanso. Isso dividido por 30, vai ser igual a 126/30=4,2. Então, por que o espanto em trabalharmos cinco meses para pagarmos impostos, se folgamos 4 meses e duas semanas neste mesmo ano. Parece até que no calendário estão faltando dias. Claro que essa não é a realidade de todos, há os comerciários e outros tantos trabalhadores, que representam a população escrava do nosso tempo ou, se preferirmos, os servos, os plebeus, dá tudo no mesmo. Obviamente não considero minha posição na classe média, medíocre mesmo, como sendo desprovida de escravismo e servidão, mas tenho lá alguns privilégios (do grego privis: privado; legis: lei – a certeza de que embora a justiça seja para todos, a lei é para alguns), e eu nem quero falar de governo, de funcionalismo público e de atestados médicos. De fato, apertem os cintos e aproveitem a mamata.

A todos, um feliz 2009 de algum trabalho, muitos impostos e longos feriados.

03 maio, 2008

O pensar filosófico

A filosofia é resultado de uma forma inovadora e revolucionária de pensar, sendo atribuída, pela maioria dos estudiosos, sua origem, aos gregos, dadas as circunstâncias favoráveis a esse povo, para o desenvolvimento de um pensamento livre, no período reconhecido como ponto de partida desta forma de pensamento, século VI a.C.

Pensar filosoficamente está além da procura por um conhecimento. É mais abrangente e profundo, pois não espera apenas conhecer determinado fenômeno, mas reconhecê-lo, sistematicamente, a partir de uma postura não passiva, de não aceitação de uma realidade dada, posta como finda. A filosofia busca enxergar para além da superfície das coisas, para além do que é visto no plano material e fenomenal, a partir de um raciocínio lógico, porém diferenciando-se da ciência, por exemplo, que busca também conhecer a partir da razão, mas pousa num plano palpável, empírico, visível, acabado e investiga dentro desse contexto. A filosofia é ampla, busca conhecer a totalidade das coisas, envolvendo o conjunto de fenômenos e percepções possíveis que as envolvem, esquivando-se do que parece ser, para chegar ao que as coisas são.

Esse pensar se dá pela compreensão de que a filosofia não é uma mera “visão de mundo”, uma admiração ingênua; também não se trata de uma resignação frente aos fatos e coisas; nem é religião, pois vê através da razão. É transcender racional e radicalmente, para chegar a uma explicação para além das verdades postas, dos dogmas estabelecidos. Para Bornheim[1], pensar filosoficamente inicia-se com a ruptura dogmática, por isso a experiência negativa, a proposição e aceitação da dúvida, que é a não aceitação da visão do mundo conhecido, como sendo a realidade última. Essa postura implica no primeiro passo para superação dogmática, tão bem representada por Glauco e Sócrates[2], quando este explica aquele a postura questionadora, utilizando a alegoria dO Mito da Caverna.

A postura filosófica começa com a insatisfação do que é sentido como realidade, como verdadeiro, que pressupõe, num primeiro momento, uma consciência ingênua, uma visão dogmática, sendo a superação desta visão reconhecida como experiência negativa. Mas pensar com criticidade, a partir da não aceitação e questionamento de uma verdade posta, não representa o pensamento filosófico em si, mas parte do caminho a ser trilhado para alcançá-lo. Pensando através do diálogo socrático, erguer os olhos para a luz, não mostraria a verdadeira face das coisas, mas apenas possibilitaria enxergar para além das sombras.

O interessante é o reconhecimento de que o filosofar não se constitui tarefa fácil. Ver além do que nos habituamos enxergar, pode gerar deslumbramento e angústia, que se não enfrentados, poderão impedir a visão da coisa que gerava a sombra e por em dúvida qual a realidade mais verdadeira, fazendo com que muitas vezes, aquele que ousou sair da postura dogmática, retorne ao mundo seguro, conhecido, das sombras.

Assumir a filosofia como tarefa exige persistência, discernimento, coragem, para que a força do saber dogmático não interfira na posição questionadora do filósofo, de forma que ele não acredite e se renda ao que parece ser; para que saia do ambiente de conforto e desde sempre criado, mesmo sofrendo diante do desconhecido, mas se habituando a ver através de outros ângulos, retirando a maquiagem, de forma que possibilite a distinção entre as coisas, favorecendo a observação delas a partir delas mesmas, gerando um conhecimento puro, através de um raciocínio livre e sistematizado, que enxerga além do aparente.


Platão e Aristóteles na "Academia"

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[1] BORNHEIM, G. A. Introdução ao filosofar: o pensamento filosófico em bases existenciais. 4ed: Globo, Porto Alegre, 1978.
[2] PLATÃO,
República, Livro VII.

19 abril, 2008

conversa de grego

Num dia nublado e abafado, na bucólica Éfeso, terra do misantrópico e melancólico Heráclito, Parmênides tentava dissuadir uma pequena roda de ouvintes, que num momento anterior estivera atenta à oratória de seu mais enfático opositor, quando foi surpreendido pela voz grave e contumaz daquele que o antecedera naquele espaço: Heráclito.

- Ora, se não muito me engano, mas o próprio ser, destituido do nada, veio contrapor argumentos para além da trincheira fronteiriça. Muita ousadia, nobre cavalheiro.

Esse cumprimento amigável e acolhedor desenrolou-se numa recheada discussão, que ecoou pelos quatro cantos da velha Grécia e até hoje ouve-se versões para aquele curto e acirrado bate-boca cosmológico.

- Meu caro Heráclito, ouça-me com atenção. Não posso deixar que sua visão deturpada da realidade comprometa o entendimento dessa gente, sobre o princípio das coisas. Veja, o ser é positivo puro e o não ser, o negativo puro. Contrários absolutos e excludentes. Tudo aquilo que alguém pensa e diz é. Pensar o nada significa não pensar e dizer o nada significa não dizer. Portanto o nada é impensável e indizível. Pensar e ser coincidem.

- Tudo se move, filho de Eléia. Tudo muda e transmuta. O devir caracteriza-se como harmonia dos contrários.
O ser é tão pouco como o não-ser; o devir é e também não é; o mel é doce e amargo.

- Eis onde você, meu caro, tropeça. Façamos um princípio de não contradição. Os contrários não podem coexistir. Suponha o ser. Ele é incriado, visto que, se criado, resultaria de um não ser, o que seria absurdo. O nada não origina, portanto o ser já é, sempre foi e sempre será o ser.

- Assim você confunde sua própria razão de pensamento, dileto Parmênides. Tudo está relacionado. As coisas caracterizam-se por uma contínua passagem de um contrário a outro. Veja o rio, ele é o mesmo, mas sempre outro, por isso não há homem que se banhe duas vezes no mesmo rio. Ele, o homem, também já terá mudado.

- Confusão crias tu, com essa mania contundente de fazer apologia ao devir. Isso que atribuis como algo novo, não passa de aparência que teus olhos criam. O caminho para verdade é o pensamento, onde a essência permanece. A essência precede a existência.

- Parmênides, direi uma última coisa: o dinamismo é a essência do princípio que gera, sustenta e absorve todas as coisas. Por isso somos e não somos, pois para sermos o que agora somos, devemos não ser o que éramos no momento anterior, ou seja, para continuarmos a ser devemos não ser aquilo que somos em cada momento.

- Ora, ora. Fiquemos por aqui. Não delonguemos o que não terá fim, posto que é e sempre será assim, mesmo que preenchido de oponências.

- Então.


Heráclito nasceu em Éfeso, cidade da Jônia, 540 - 470 a.C. aproximadamente. Considerado um dos mais importantes filósofos pré-socráticos, é a ele atribuída a primeira referência teórica sobre a dialética. Parmênides nasceu em Eléia, hoje Vélia, Itália (530 - 460 a.C.) foi fundador da escola eleática. Considerado o pai da ontologia, quando sustenta a tese de que o ser é imutável, eterno, não-gerado e uno. Filósofos de teorias contrárias, nunca estabeleceram um diálogo (até onde se sabe) como sugerido acima, mas são as suas ideias as que mais influenciaram pensadores de todos os tempo.

17 abril, 2008

sobre a verdade

Se o conhecimento está relacionado a interesses e pode ser manipulado, podemos afirmar a existência da verdade?

Confirmar ou negar a existência da verdade depende, inicialmente, da perspectiva utilizada para reconhecer o que se estabeleceu como verdadeiro. É pertinente compreender que a verdade possui alguns atributos que podem, independente de relativismo, fazê-la transitar entre lados que, ora correspondam ao que conhecemos como verdadeiro, ora não. Dentre os atributos sugeridos está a historicidade da verdade, o referencial utilizado, a interpretação dada, o reconhecimento da utilidade e funcionalidade desse conhecimento, entre outros.

O interesse surge, em última análise, como norteador do que se afirma ser verdade, vale pensar que se trata de interesses orientados histórica e culturalmente. Mas se o conhecimento é dado a partir de interesses pessoais e coletivos, variando de acordo com o status dos que compõem a sociedade, está ligado ao modo como é reconhecida a realidade e, sobretudo, como esta é traduzida e transmitida através da linguagem.

Dessa forma, a pergunta inicial se desvela em pontos que podem se opor, determinando certo cuidado ou contextualização para afirmar ‘sim’ ou ‘não’ como resposta. Pontuando:

1. Reconhecer a realidade como verdadeira pressupõe um conhecimento válido, possível e confiável; tal conhecimento é produzido e difundido através da cultura pela linguagem e afirma o poder de quem o detém, portanto, motivado por razões particulares e convenientes, não sendo, desta forma, neutro, nem absoluto;

2. O interesse em descobrir, explorar a natureza, sejam quais forem as justificativas utilizadas, geram conhecimentos que servem de base para outros, que podem influenciar a percepção da compreensão da realidade, admitindo pré-conceitos, que nos levam a repetir um conhecimento sem questioná-lo, portanto, dado à falácia;

3. O comportamento humano é orientado pela forma como conhecemos e procuramos estabelecê-lo de um modo que pareça imparcial e objetivo, visto que há uma tendência em manter um cenário social, político e cultural estável. Nesse caso, o conhecimento pode ser aplicado como forma de controle e dominação. Assim, é conveniente caracterizá-lo, nesse âmbito, como detentor de uma verdade imparcial, objetiva e única. Ou seja, dogmatiza-se o conhecimento em função do controle das massas;

4. Contudo, me parece impensável, ao menos num primeiro momento, questionar, invariável e constantemente, o que é dado como verdade. As relações humanas necessitam de certa estabilidade, que acaba sendo fruto e frutificando a dogmatização do conhecimento, ficando a cargo de poucos a inquirição persistente sobre se é verdade o que de verdade nos é posto. Certamente, é por esta razão que afirmamos ser o conhecimento um instrumento de manipulação, que, entre outras coisas, reforça a naturalização da realidade concebida.

Conhecimento é poder porque condiciona a verdade. Não há, portanto, "a verdade", há possibilidades de se identificar, dentro de uma perspectiva, num dado momento histórico, aspectos que favoreçam a compreensão de fatos e fenômenos como detentores de conceitos inquestionáveis, mesmo que provisoriamente. A verdade, quando colocada como absoluta, reflete mecanismo de controle, e, mesmo na nossa sociedade, imersa em dogmas, aprisionada em uma caverna, pode e deve ser questionada e propor a dúvida do que é dado como pronto. Afinal, foi a partir dessa característica especulativa e curiosa, questionando o visível, pra compreender o que está além dele, que foi possível chegar à infinidade e complexidade do conhecimento acumulado pelo homem.

15 dezembro, 2007

imposto ou não imposto

Lendo textos acerca da CPMF, defensores ou não, fico aqui pensando como nosso ponto de vista é mais importante que qualquer manobra política ou ajustes programáticos de governo. Ora, pontuemos: (1) a CPMF foi o imposto provisório mais permanente que já se ouviu; (2) não há dúvidas, porém, de que se trata de uma contribuição não burlante pelos escritórios de advocacia; (3) a sua origem rememora a necessidade de orçamento para garantir as mudanças necessárias ao setor saúde; (4) por todo o tempo de existência da contribuição “provisória”, o destino da verba à saúde representava menos de 20% do total arrecadado; (5) será que é pouco, com variação entre as classes sociais, destinarmos quase 60% de tudo que ganhamos em impostos de toda ordem? Vários outros pontos podem ser lançados.

Seja no supermercado, no estacionamento, no iptu, no restaurante, na roupa, sobre a renda... em qualquer situação estamos contribuindo, somos essencialmente contribuintes. E a quê, pergunto. Afora isso, precisamos pagar plano de saúde para assistência médico-hospitalar (entendo que isso representa a parte menos importante da saúde: assistência); precisamos pagar seguro do carro, da casa; pagar escola para os filhos etc etc etc. Mas o governo vai fazer cortes! Reconheço que é necessária a garantia de insumos, mas vamos primeiro utilizar o que se dispõe (e é muito) de forma sensata. Vamos parar de dizer que não há dinheiro. Ele só não vai para onde deveria. Pense: metade do que você ganha destina-se a alguma esfera do governo. E somos muitos!

12 dezembro, 2007

sobre o conhecimento

Há pessoas que desejam saber só por saber, e isso é curiosidade; outras, para alcançarem fama, e isso é vaidade; outras, para enriquecerem com a sua ciência, e isso é um negócio torpe; outras, para serem edificadas, e isso é prudência; outras, para edificarem os outros, e isso é caridade.

São Tomás de Aquino

15 novembro, 2007

comentário ou discurso?

considero pesquisa com animais um modelo experimental irracional, principalmente porque a maioria esmagadora de pesquisas realizadas com animais é desnecessária por essência, sendo muitas vezes objeto de auto-afirmação de pesquisadores, que buscam, através de pesquisas tupiniquins, demonstrarem que detêm, ou melhor, que produzem conhecimento.

A concepção de "cientista" que a carreira acadêmica utiliza é deturpada. Basta fazer uma breve busca em sites de publicação científica, para identificar o sem fim de estudos sem propósito, que em geral são frutos de trabalhos de graduação ou de mestrado, que resultam da obrigatoriedade do sistema educacional e não de aptidão ao desenvolvimento intelectual ou desejo de encontrar respostas, mesmo que parciais, a temas ainda não elucidados e que necessitam serem esclarecidos.

Não há evidência de ganho acadêmico-intelectual através do uso de animais em pesquisa que me torne razoável à compreensão dessa atrocidade. Além de tudo, se dissecar animais, expô-los a situações extremas, induzi-los a uso de drogas e outras substâncias etc, favorecesse à compreensão desses mesmos mecanismos no homem, poderíamos ir ao veterinário, quando em situação de doença, ou levar nossos cães ao pediatra. Ou seja, além de cruel, é inútil.

Discurso docente com alma discente! Extremista, se considerarmos as bases ético-filosóficas, que norteiam a compreensão do questionamento parcimonioso. Há quem tenha argumentos para rebater meus preceitos, mas eles não me convencem.

17 outubro, 2007

Adoramos a idiotia!

Preciso anunciar que o aviso clássico, que funciona como dica de segurança imprescindível, existente nas poltronas dos aviões, acima da bolsa que contém revistas e coisas do gênero, deixam-me muito mais tranqüila, durante os vôos domésticos no Brasil, dadas as circunstâncias em que atualmente estes acontecem: “use o assento para flutuar, em caso de pouso na água”. Nem o fato de não saber nadar assusta-me, após tanta objetividade!

28 setembro, 2007

Festival Internacional de Humor e Quadrinhos, versão 2007


Entres os dias 16 de setembro e 07 de outubro, acontece em Recife o Festival Internacional de Humor e Quadrinhos (FIHQ), versão 2007. A exposição ocorre nas dependências da Torre Malakoff, no Bairro do Recife.

Pela segunda vez consecutiva participo do evento, que traz não só arte e entretenimento, como também, ou principalmente, a reprodução de uma realidade social, que permite a reflexão de situações cotidianas, como: guerras, corrupção, violência urbana, analfabetismo, sub-educação, desemprego, fome, miséria. Em geral, o discurso acerca dessa realidade é improdutivo, não funcional. Tem sua importância no momento em que está sendo noticiada, após isso, há uma certa tendência em focarmos o próprio umbigo. Em contrapartida, a apresentação caricata fornece muito mais meios de tecer pensamentos producentes, aliás, como é próprio das charges.

Se você mora pelos arredores ou na capital pernambucana, passa lá. Se estiver de passagem, recomendo uma visita. Se mora longe, vale a pena fazer a viagem. A própria Torre Malakoff e a vista que se tem do seu terraço, já motivam. Imagine abrigando arte e diversão?

Aproveitem!

01 abril, 2007

leia-se muito

Um livro deve ser o machado que quebra o mar gelado em nós mesmos.

Franz Kafka