Pensar filosoficamente está além da procura por um conhecimento. É mais abrangente e profundo, pois não espera apenas conhecer determinado fenômeno, mas reconhecê-lo, sistematicamente, a partir de uma postura não passiva, de não aceitação de uma realidade dada, posta como finda. A filosofia busca enxergar para além da superfície das coisas, para além do que é visto no plano material e fenomenal, a partir de um raciocínio lógico, porém diferenciando-se da ciência, por exemplo, que busca também conhecer a partir da razão, mas pousa num plano palpável, empírico, visível, acabado e investiga dentro desse contexto. A filosofia é ampla, busca conhecer a totalidade das coisas, envolvendo o conjunto de fenômenos e percepções possíveis que as envolvem, esquivando-se do que parece ser, para chegar ao que as coisas são.
Esse pensar se dá pela compreensão de que a filosofia não é uma mera “visão de mundo”, uma admiração ingênua; também não se trata de uma resignação frente aos fatos e coisas; nem é religião, pois vê através da razão. É transcender racional e radicalmente, para chegar a uma explicação para além das verdades postas, dos dogmas estabelecidos. Para Bornheim[1], pensar filosoficamente inicia-se com a ruptura dogmática, por isso a experiência negativa, a proposição e aceitação da dúvida, que é a não aceitação da visão do mundo conhecido, como sendo a realidade última. Essa postura implica no primeiro passo para superação dogmática, tão bem representada por Glauco e Sócrates[2], quando este explica aquele a postura questionadora, utilizando a alegoria dO Mito da Caverna.
A postura filosófica começa com a insatisfação do que é sentido como realidade, como verdadeiro, que pressupõe, num primeiro momento, uma consciência ingênua, uma visão dogmática, sendo a superação desta visão reconhecida como experiência negativa. Mas pensar com criticidade, a partir da não aceitação e questionamento de uma verdade posta, não representa o pensamento filosófico em si, mas parte do caminho a ser trilhado para alcançá-lo. Pensando através do diálogo socrático, erguer os olhos para a luz, não mostraria a verdadeira face das coisas, mas apenas possibilitaria enxergar para além das sombras.
O interessante é o reconhecimento de que o filosofar não se constitui tarefa fácil. Ver além do que nos habituamos enxergar, pode gerar deslumbramento e angústia, que se não enfrentados, poderão impedir a visão da coisa que gerava a sombra e por em dúvida qual a realidade mais verdadeira, fazendo com que muitas vezes, aquele que ousou sair da postura dogmática, retorne ao mundo seguro, conhecido, das sombras.
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[1] BORNHEIM, G. A. Introdução ao filosofar: o pensamento filosófico em bases existenciais. 4ed: Globo, Porto Alegre, 1978.
[2] PLATÃO, República, Livro VII.
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